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Entrevista da série que destaca grandes nomes do jornalismo esportivo brasileiro.
O enfocado desta edição é um dos narradores esportivos mais conhecidos da TV brasileira, que tem o dom nos genes: 
Luiz Alfredo, hoje narrador da RedeTV! 
além de ter no seu currículo, importantes passagens por Globo (rede nacional e afiliada no Paraná), SBT e Record. 
Ele é filho de Geraldo José de Almeida, um dos grandes locutores da era Pelé, que marcou época ao narrar o tri da Seleção na Copa de 70. 

(Créditos na produção e edição : Edu Cesar - www.papodebola.com.br)

Fale um pouco sobre seu pai, Geraldo José de Almeida, que foi um histórico narrador de rádio e TV das décadas de 50 a 70.
Ganhou, com apenas 17 anos, um concurso para locutor comercial na Rádio Record e, logo depois, com 19, já era locutor esportivo (“speaker”, como diziam). Em 1958 (39 anos), na Copa da Suécia, estava na Pan-Americana (hoje Jovem Pan), que formou rede inédita com a Continental do Rio de Janeiro, liderada pelo Waldir Amaral, outro grande do rádio esportivo. Na final, bateram o recorde mundial de transmissão ao vivo na época, com quase oito horas seguidas. Foi nessa época que criou a expressão “seleção canarinho”. No bi de 1962 estava na Rádio Record. Em 63 foi para a Excelsior (hoje CBN) e, logo em seguida, para a televisão, a TV Excelsior, que os historiadores classificam com razão como a pré-Globo. A adaptação do rádio para a TV, difícil sempre, foi bem sucedida. Em 70 estava na Globo narrando o tri, em dupla histórica com o grande João Saldanha. Nessa época seus jargões e apelidos ficaram consagrados. "Olha lá, olha lá, olha lá, no placarrrrrr", "Por pouco pouco, muito pouco, pouco mesmo", "Que que é isso, minha gente", "mineirinho de ouro Tostão", "gauchão Everaldo", "garoto do parque Ri-ve-li-no", "canhotinha de ouro Gérson" e "o craque café Pelé" foram algumas das expressões mais famosas. A dupla com o amigo João Saldanha chegou, brilhante, até a Copa de 74. Em 75 foi para Porto Alegre, na então TV Difusora (Band hoje) e viveu, como gostava de destacar, dias maravilhosos. Já doente voltou para São Paulo, trabalhando na TV Record e com grandes audiências. Morreu em agosto de 76, aos 57 anos, num domingo de futebol.

Da época do Geraldo até a sua, se vão de cinco a seis décadas. Quais você crê ter sido as grandes mudanças na narração de TV neste período?
No começo do futebol na televisão havia dois modelos no ar: a narração mais conversada e a que seguia, eletricamente, o modelo do rádio. De lá para cá a grande mudança foi a adoção da linguagem coloquial, simples e a consolidação da narração num ritmo adequado à TV. Hoje, evidente, há muito mais narradores, mas alguns retrocessos que podem ser um fecho de ciclo, como aconteceu no rádio. Considero retrocesso a imitação dos principais narradores, no jeito, na linguagem, na entonação, nos jargões. Os que constroem seu próprio caminho estão numa estrada mais difícil!

De todos os estádios e/ou palcos esportivos onde narraste, quais os melhores para trabalhar e quais não dão saudade?
No Brasil o Maraca, a Arena da Baixada, o Beira-Rio e o Morumbi. Fora daqui, mais qualidade e melhor tratamento ao torcedor e aos profissionais. Os estádios da Alemanha, o Olímpico de Seul, o Olímpico de Los Angeles, o Olímpico de Barcelona e alguns ginásios americanos e espanhóis, se a minha memória não falhou. No Brasil precisamos de muito mais respeito à imprensa e ao torcedor.

Sempre bate essa curiosidade quando se conversa com narradores: fale sobre a diferença entre narrar no estádio e vendo pela TV, no estúdio.
No estádio você tem a visão geral, dá pra prever mais os movimentos e reconhecer mais rápido os jogadores. No estúdio você depende muito da geração das imagens, já que só conta com o monitor. Mas dá para levar legal. Outra diferença é que no estádio você sente mais o clima da torcida. O “off-tube” surgiu com a globalização e o grande número de transmissões do exterior.

Na sua opinião, a cobertura esportiva brasileira é satisfatória? Não faltaria, por exemplo, um pouco mais de jornalismo investigativo?
Acho a cobertura, de um modo geral, bem satisfatória. O jornalismo investigativo, no sentido de aprofundar mais os casos, é importante também, e pode ser mais valorizado. Um belo exemplo na TV é o primoroso “Histórias do Esporte" (ESPN Brasil), dos jornalistas Roberto Salim, Ronaldo Kotscho e Beto Duarte.

Acha que o jornalista deve declarar para qual time torce? Se lhe perguntarem seu time do coração, responde ou sai pela tangente?
Em tese não vejo problema nenhum. Mas, na prática, essa é uma questão que passa pela paixão do torcedor e, eventualmente, pelo fanatismo, um terreno delicado. Quando me perguntam eu entendo a curiosidade, mas tento sair dessa.

Qual o tipo de preparação feita por você quando vai transmitir algum evento, no aspecto de estar bem informado a respeito dele?
A busca da informação deve ser sistêmica, estar no dia a dia do profissional. A informação específica do jogo é complementar, mas também vital. Eu, por exemplo, fico ligado no esporte o dia inteiro, assistindo a tudo que é jogo, lendo jornais etc. E o melhor de tudo é que eu gosto disso! Sobre o evento a ser transmitido, procuro fazer um trabalho de preparação específico e bem detalhado, usando todos os recursos possíveis, incluindo a Internet e as checagens necessárias.

O que você acha da postura da maioria dos veículos, que fala 90% do futebol e 10% de outros esportes?
Nas TVs abertas é uma seleção natural dos fatos, refletem o interesse da maioria. Talvez seja uma proporção exagerada, mas a base vai por aí. As TVs a cabo já fazem a segmentação dos esportes, mais facilitada por sua própria natureza.

Resuma um pouco sua trajetória no jornalismo esportivo. Quais pessoas te influenciaram, o que te motivou a seguir essa carreira?
O fascínio começou bem cedo, quando acompanhava meu pai nos estádios. Uma curiosidade de quando eu tinha uns cinco anos: no Pacaembu, por exemplo, era só uma cabine grande pra quase todas as rádios, e lá, eu dividia minhas atenções entre o jogo e os narradores. Comecei na TV Record em 1982, primeiramente como repórter. Pude diversificar, atuando como apresentador, comentarista, produtor e editor. Foi uma escola fundamental. A narração chegou naturalmente. Faço questão de lembrar o Paulinho Machado de Carvalho e o Blota Júnior como os meus padrinhos profissionais. Depois fui para a Globo, em 84. Aprendi muito com o Boni, o Marco Mora, o Glycon Ferreira e o Ciro José. Foram campeonatos brasileiros e regionais, Olimpíadas, mundiais de futebol de clubes e seleções, F-1, motociclismo, vôlei, basquete, atletismo, boxe e muitas emoções. Em 89 fui para o SBT, comandado pelos Luciano Callegari – pai e filho - para ser titular nas eliminatórias e na Copa de 90. Em 91 voltei para a Globo, com destaque para 92, com a Olimpíada de Barcelona, a Fórmula 1 e o Mundial de Tóquio ganho pelo São Paulo. Em 94 fui fazer a Copa do Mundo de futebol de novo no SBT e, em 96, me transferi para a TV Record, onde fiquei até 1999. Depois fiquei trabalhando nas várias praças e, principalmente, em Curitiba, na TV Paranaense, comandada pelo brilhante e grande pessoa Gil Rocha. Guardo ótimas lembranças e saudades desse período. Em 2005, um convite do Flávio Adauto me levou para a TV Cultura. Desde 2006 estou, feliz, na RedeTV!, sob o comando dos super competentes José Emílio Ambrósio e Terence Paiva.

Nesses anos todos atuando no esporte, quais as coberturas mais marcantes que fizeste, pelo lado bom e/ou ruim?
Sou um cara muito feliz, tive muitas chances e pude ir às mais variadas coberturas, dos mais diferentes esportes. Algumas das lembranças mais importantes: a prata na final do vôlei nas Olimpíadas de 84, o ouro do Aurélio Miguel no judô em Seul 88 (“meu” primeiro ouro), o ouro do vôlei masculino em Barcelona 92 (primeiro ouro olímpico do Brasil em esporte coletivo), a cesta da Hortência em Vigo/Espanha 92, no último segundo do jogo e que deu a vaga olímpica às meninas, o Grenal do Século em 88, o mundial de futebol do São Paulo em Tóquio 92, todas em trabalhos pela Globo. E mais: a alegria do tetra na Copa de 94 (SBT), a final da Copa do Brasil 95 (SBT) com o recorde de audiência, as vitórias do Senna como a de 86, no dia seguinte da eliminação do Brasil na Copa pelos franceses (Globo), o recorde mundial do futsal na vitória em Macau (RedeTV!) e o título da volta do Popó (RedeTV!).

Diria te sentir realizado profissionalmente, ou falta algo, algum trabalho ou cobertura que ainda queira fazer?
Sou feliz, a vida profissional foi minha amiga, mas... o próximo trabalho é sempre o mais importante! Essa é uma grande verdade!

Cite alguns profissionais com os quais tenha trabalhado, ou esteja trabalhando, que te marquem duma forma especial.
Difícil responder sem um deslize, mas vamos lá. Entre os comentaristas o lugar de honra é do Telê Santana (Copas de 90 e 94). Sabia tudo, humilde e extremamente responsável. Uma referência como ser humano. Acho o José Calil uma revelação muito promissora, enxerga tudo e tem um futuro brilhante pela frente, pode tomar nota. O Reginaldo Leme também marcou minha vida, com seu companheirismo, fidalguia e competência. Entre os narradores tem o Galvão e o Osmar de Oliveira, sempre bons companheiros. Roberto Thomé, Luiz Andreoli, Marcos Uchoa, Luiz Fernando Lima, Luiz Ceará, Márcio Moron, Nivaldo de Cillo, Marcelo Bianconi, André Argolo, Rodrigo Cabral, Fernando Fontana, Emerson Tchalian, reportaram comigo e me deram, e dão, muita força. Mas a saudade do extraordinário Eli Coimbra é imensa!

Sem citar nomes, mas já tiveste algum tipo de rusga ou desentendimento com algum colega de profissão?
Raras e distantes, quase esquecidas.

Qual seu conceito sobre a participação das mulheres no jornalismo esportivo?
Acho ótimo, tive e tenho companheiras as mais competentes.

Poderia contar alguma história curiosa de bastidores da imprensa esportiva que tenha vivenciado de perto e não saibamos?
Era 1984, a cidade a capital da Letônia, Riga, na época da antiga União Soviética. Jogo de vôlei masculino URSS x Brasil. Era transmissão ao vivo e a geração soviética teve alguns problemas de comunicação entre a unidade móvel, o repórter Luiz Fernando Lima na quadra e a cabine onde eu estava. Duas horas antes conseguimos contato de coordenação com a Globo no Brasil, papo que durou só... dois minutinhos. Sumiu tudo, não ouvia mais o Brasil. Quinze minutos antes do início previsto, comecei a avisar que eu iniciaria a transmissão na hora indicada e que seguiria o padrão das outras transmissões (acompanhávamos a seleção brasileira em todos os jogos). Só que eu nem sabia se eles me ouviam. Tocamos nós em Riga a transmissão, como se estivesse tudo normal. É o que se chama de “vôo cego”. No final de tudo, dei a deixa de saída e ouvi um “...du ....tudo legal ...valeu”. Era a coordenação do Brasil de volta e vibrando, deu tudo certo! Incrível!

Se pedirmos para dizer alguém no esporte que mereça nota 10 e alguém no esporte que mereça nota 0, quais seriam e por quê?
Felizmente muita gente merece nota dez: Pelé, Telê Santana, Guga, Ayrton Senna, Garrincha e muito mais gente. A nota zero vai, como exemplo, para o canadense Ben Johnson. Ele é o símbolo do “vencer a qualquer preço”, do egoísmo, da mentira, da corrupção, tudo que a gente não aceita de jeito nenhum.

Nos últimos anos você tem narrado a Série B pela RedeTV!. Qual sua expectativa para este ano, onde o Corinthians estará nela?
Participei das transmissões dos últimos dois anos. A Série B cresce como um todo, vai se aperfeiçoando. A chegada do Corinthians talvez seja o fato mais marcante da história desse campeonato, lotará os estádios pelo Brasil. Espero uma Série B espetacular, inesquecível! E que o nosso trabalho seja o melhor possível e de agrado dos amigos do Brasil!

Qual sua opinião sobre a Copa do Mundo de 2014 no Brasil?
Gostaria que os políticos lutassem por mais escolas e professores com o mesmo empenho com que lutam por uma sede na Copa de 2014. 
Gostaria que a saúde pública recebesse mais bola, tivesse mais chance de melhorar a vida das pessoas. Mas, infelizmente, ninguém garante que, se não houvesse a Copa, estas áreas seriam beneficiadas.

Dá para conciliar numa boa a corridíssima vida de jornalista esportivo com a vida pessoal?
Dá sim, os sacrifícios com a família são da mesma ordem da grande maioria das profissões, normal.

Deixe uma mensagem para os leitores, um conselho, um recado, um toque, qualquer coisa que vier à cabeça.
Precisamos melhorar nosso país, resgatar as virtudes, o bem, a solidariedade, a justiça social. Sou um cara apaixonado pelo esporte, acredito na sua magia, considero um poderoso instrumento de socialização e deveria, aqui no nosso Brasil, ser aberto a todas as crianças. Sei que é utopia, vivemos um país injusto, com uma elite incompetente. Mas ninguém me demove dessa esperança. 
 
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Entrevistado desta seção que traz o pensamento de importantes nomes do jornalismo esportivo brasileiro, é um nome histórico. 
Paulista de Nova Aliança, nascido a 16 de agosto de 1930, Luiz Noriega foi um dos mais marcantes narradores das décadas de 70 e 80. Atuou, entre outros veículos, na Rádio e na TV Tupi. 
Na rádio participou da famosa "Equipe 1040", e na TV compôs as equipes jornalística e esportiva. Seu período mais lembrado - inclusive ainda hoje, por seguidas reprises no programa "Grandes Momentos do Esporte" - é a TV Cultura, onde ficou por 17 anos, chefiando o time ao lado de outro mestre, Orlando Duarte. Hoje, Luiz atua na assessoria de imprensa da Federação Paulista de Tênis, mas a família Noriega continua ativa no jornalismo esportivo. Seu filho Maurício Noriega é comentarista de futebol no Sportv. 
(Créditos da produção e edição : Edu Cesar - www.papodebola.com.br)

Resuma um pouco sua trajetória no jornalismo esportivo. Quais pessoas te influenciaram, o quê te motivou a seguir essa carreira?
No interior paulista ouvia muito as rádios Tupi (Rio e SP), Nacional, Mayrink Veiga, Farroupilha de Porto Alegre, e fui tomando gosto pela locução. O início foi em Olímpia (SP), fazendo propaganda de lojas em cidades vizinhas e fazendas da região, até surgir convite para trabalhar na rádio Difusora Olímpia ZYG-8. Daí para um teste na Tupi de São Paulo, com Aurélio Campos, foi um pulo, nos idos de 1950.

O senhor passou pelo rádio do Recife, na emissora Tamandaré. Quais lembranças vem deste período em Pernambuco?
Estava começando na Tupi quando as Associadas montavam uma equipe para a Rádio Tamandaré do Recife, para concorrer com a Jornal do Comercio, aquela do famoso “Pernambuco falando para o mundo”. Propuseram a transferência, com salário três vezes maior que o de São Paulo, e lá fui eu para uma nova experiência, com profissionais de vários estados. A Tamandaré foi muito importante na minha carreira. Fazia esportes, rádio teatro, jornalismo e locução comercial. Apresentei, em auditórios e clubes, as orquestras de Agustín Lara, Tommy Dorsey, Canaro, Tabajara, de Severino Araújo, Francisco Alves, Angela Maria, Irmãs Batista. Fiz locução comercial de um grande programa do jornalista Luiz Maranhão Filho, o “Ruas do Mundo”, ao lado do grande Luiz Jatobá. Nessa época recebi um convite para trabalhar na Rádio Nacional do Rio, referência absoluta de grande rádio no País. Para voltar a São Paulo, tive que assinar um termo de compromisso: não trabalharia em nenhuma emissora do Norte e do Nordeste, das quais também tinha convites.

Foste componente da Equipe 1040 da Rádio Tupi, que marcou época no rádio esportivo de São Paulo. Fale um pouco dela.
A 1040 foi uma verdadeira revolução no rádio esportivo brasileiro em termos profissionais e financeiros. A chegada de Pedro Luiz, formando novamente dupla com Mário Morais, significou uma mudança salarial impressionante para os que já estavam na casa e outros que completaram as equipes de rádio e TV da Tupi. Pena que tenha durado pouco. E logo depois começaria o triste desmanche de boa parte do império dos Diários Associados.

Sua passagem pela Cultura ainda hoje é lembrada, em reprises constantes. O que significou para o senhor, profissionalmente, esta fase?
A Cultura foi uma fase maravilhosa, um verdadeiro laboratório, uma proposta de TV séria e objetiva, ao tempo da inauguração e presidência do saudoso José Bonifácio Coutinho Nogueira. O esporte era prestigiado e dava espaço para todas as modalidades, fazendo aparecer novos valores e liberando espaço que a mídia nunca ofereceu aos chamados esportes amadores. Pena que com mudanças de governos e alguns “inventores” tenha passado por sérias crises, gerando muitas demissões e praticamente acabando com uma excelente equipe que, se mantida, estaria competindo em pé de igualdade com as redes comercias. A Cultura teve grande influência no desenvolvimento do vôlei, do tênis, da natação, do basquete, do golfe, do hipismo e de todos os esportes. Nós, profissionais da equipe, aprendemos muito.

Na década de 70 o estilo dos narradores de TV era diferente de hoje. O que o senhor acha do estilo atual de narração esportiva na TV, numa média geral?
Cada um tem seu estilo. Eu procurei criar o meu, trabalhando com um diretor de TV, Arruda Neto, também um grande locutor, e mirando diretamente no telespectador. Até ensaiávamos antes das transmissões, usando muito o monitor. Eu não gritava gol, não falava muito, usava o “taí o primeiro gol”, ou “São Paulo, primeiro gol no Morumbi”, ou “Inter, primeiro gol no Beira-Rio”. Usávamos o recurso do “slow-motion”, o “tira-teima” nos lances duvidosos, sem emitir opinião, deixando para o telespectador em sua casa, no bar, no clube, o direito de comentar. Hoje é diferente. A parafernália técnica dá mil recursos. Só que o pessoal fala muito, é quase uma narração de rádio na TV, e acaba se comprometendo com opiniões que a imagem desmente. Mas reconheço o trabalho de profissionais da área, todos competentes e com boa receptividade.

Nos anos em que atuaste no esporte, quais as coberturas mais marcantes que fizeste, pelo lado bom e/ou ruim?
Muitas. Fiz decisões de boxe com nosso Éder Jofre ganhando mundiais, vi o João do Pulo ser prejudicado escandalosamente na Olimpíada de Moscou, o Esporte Clube Sírio ser campeão mundial de clubes de basquete, a Seleção Brasileira vencendo o torneio do Bicentenário da Independência dos EUA, o gol de Basílio quebrando o jejum do Corinthians em 1977, o Paulo Borges quebrando o tabu contra o Santos. Vi nascerem craques como Pelé, Pagão, Canhoteiro, Rivellino, Muricy, Falcão, Sócrates, Serginho Chulapa, Toninho Guerreiro, grandes craques como Zizinho, Pedro Rocha, Dirceu Lopes, Tosão, Bauer, Noronha, Djalma Santos, Zito, Mauro e tantos outros. Vi forçarem a barra para recuperar Pelé na Copa de 62, quando estava claro que não havia chance e, da mesma forma, em amistosos no exterior, como um em Milão, porque fazia parte do contrato e era obrigatória a presença do Rei.

O Sr pode afirmar se sentir realizado profissionalmente, ou faltou algo, algum trabalho ou cobertura que não chegaste a fazer?
Poderia ter trabalhado um pouco mais no meio e tive alguns convites de rádio e televisão. Antes mesmo de acabarem com a equipe da Tv Cultura recebi um convite da Rede Globo e outro da Rede Bandeirantes.

Cite alguns profissionais com os quais tenha trabalhado que te marquem duma forma mais especial.
Trabalhei com grandes equipes e grandes amigos. Mencionar nomes poderia melindrar pessoas. A turma da Tupi, antes da 1040, era uma verdadeira família. A da Cultura idem.

Acha que jornalista deve declarar para qual time torce? Se lhe perguntarem seu time do coração, responde ou sai pela tangente, argumentando que profissional não tem clube?
Não vejo nenhum inconveniente, desde que mantenha o equilíbrio e não comprometa seu profissionalismo. Como são paulino tive até atritos com dirigentes tricolores por críticas que fiz à equipe e ao próprio clube.

O que o senhor acha da postura da maioria dos veículos, que fala 90% de futebol e 10% de outros esportes?
Lamentável! Fiz vários comentários a respeito. Acho absurdo não darem mais espaço para basquete, tênis, golfe, hipismo, natação, ginástica, com tanta coisa bonita para se ver. Tratam os campeonatos europeus com mais destaque do que grandes conquistas amadoras dos nossos jovens atletas. Ainda bem que os canais por assinatura estão aí com muitas horas e variedade no ar.

Qual seu conceito sobre a participação das mulheres no jornalismo esportivo?
Houve uma experiência frustrada com narração em um determinado momento. Mas hoje temos uma presença bonita e competente em canais abertos e fechados, valorizando e embelezando a cobertura jornalística esportiva.

Poderia contar alguma história curiosa de bastidores da imprensa esportiva que tenha vivenciado de perto e não saibamos?
São muitas. Apesar do aspecto sisudo, fui meio gozador e até moleque às vezes, sem prejudicar ninguém no entanto. Certa vez, em Lisboa, às vésperas de uma exibição da Seleção, estávamos no hotel e fazia um frio danado, além de uma chuva fina. Liguei para o apartamento do chefe do grupo e do fotógrafo imitando um português e dizendo que havia uma encomenda urgente na Emissora Nacional. Já era tarde da noite e lá foram os dois. Depois de descoberto o trote, queriam me matar. No Cairo, em 1963, eu e o Milton Camargo (chefe da equipe da Rádio Tupi), gastando nosso inglês e francês macarrônico, negociávamos com a direção da Rádio Cairo a cessão de uma onda curta para a transmissão de Brasil x Egito, inaugurando um estádio. Não havia satélite e as linhas eram disputadíssimas, havia boicote e falaram até fartas gorjetas pelas melhores. Pagamos os dólares solicitados, mas a transmissão só chegou no dia seguinte, no horário brasileiro da Rádio Cairo... No Nordeste, num determinado jogo, para cumprir patrocínio, chovia muito e no estádio estávamos apenas eu, o comentarista e o operador de som. Jogo feio, sonolento. Às tantas, inventei um gol e fui mantendo! Quando faltavam uns cinco minutos para acabar o jogo, alertei os ouvintes para desfazerem possíveis apostas porque eu tinha chutado o gol para não dormir na transmissão... Certa vez, um time japonês estava jogando no Pacaembu e fiz a abertura com a escalação que divulgaram do time japonês toda decoradinha. Aí mudaram tudo e não divulgaram a relação de jogadores. “Escalei” Hitachi, Mitsubishi etc. Outras, mesmo com a liberdade do palavreado na mídia, são impublicáveis.

Se pedirmos para dizer alguém no esporte que mereça nota 10 e alguém no esporte que mereça nota 0, quais seriam e por quê?
Tem muita coisa boa, mas também muita tranqueira. Melhor deixar pra lá.

Falando de futebol em si: viste diversos timaços e craques. Quais os maiores times e jogadores que o Sr teve a alegria de acompanhar?
Eu vi, sim, timaços e craques. O Honved de Puskas e cia. era fantástico. Vi, no Pacaembu, numa promoção de uma marca de cigarro. Uma máquina. Vi o belga Van Hinst (posteriormente técnico da seleção belga) dando aula de futebol numa goleada histórica em cima do Brasil; o São Paulo de Bauer, Rui e Noronha; o Palmeiras de Dudu e Ademir da Guia; o Corinthians de Sócrates, de Rivellino; times maravilhosos de Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, América, a Portuguesa de Pinga, Simão, Djalma Santos; o Inter e o Grêmio. Vai longe.

Em termos administrativos, temos jeito, no tocante aos dirigentes do futebol brasileiro?
Certa vez fiz comentários sugerindo aos nossos dirigentes que freqüentassem a Escolinha do Professor Nuzman, pelo que ele fez no vôlei. Nossos dirigentes são excessivamente vaidosos e pouco profissionais. Veja o recente e lamentável caso do Corinthians.

Discute-se sobre a Copa do Mundo de 2014. Temos condições para realizar isso? O Sr é favorável ou contrário à Copa no Brasil?
Há muitas coisas mais importantes que promover mais uma vez a Copa do Mundo em nosso País. Acabar com os mensalões, com os políticos profissionais e administradores incompetentes, com o analfabetismo, a falta de respeito ao aposentado, com os rios poluídos, a falta de escolas e hospitais públicos, a violência, o tráfico de drogas e assim por diante. Além disso, há o perigo do superfaturamento, como vimos recentemente no Pan do Rio. Se é para atrair mais turistas ? existem outros meios, menos dispendiosos e mais eficientes.

Antes falei das mulheres no jornalismo esportivo, agora abordo o futebol feminino. Qual seu pensamento a respeito de nossas boleiras?
As meninas do futebol merecem rasgados elogios pelo que fizeram no Pan e no Mundial da China. Está na hora de serem recompensadas, com campeonatos bem organizados e prestigiados. Merecem o nosso respeito.

Hoje o senhor lida com tênis. O Brasil, depois de Guga, não criou sucessores. Qual sua opinião sobre o momento do tênis brasileiro?
Não criou e nem vejo boas possibilidades de criação. A Era Guga poderia ter sido mais bem aproveitada e o próprio Guga, talvez por falta de melhor assessoria, poderia ter feito um relacionamento maior com clínicas gratuitas para jovens e um relacionamento mais popular. Tive a felicidade de ver o Guga nascer como ídolo ao dar a vitória ao Brasil jogando duplas contra o Chile, na Copa Davis. Com tristeza relato o episódio do boicote, do qual ele participou com outros profissionais, e que tirou o Brasil do Grupo Mundial. Poderiam ter jogado sob protesto, mas nunca deixado de defender o País. O tênis vive uma fase ruim, com academias fechando, clubes saindo das federações e pouca gente se interessando.

Seu filho Maurício seguiu o mesmo caminho e é um nome importante do atual jornalismo esportivo. O que o senhor acha do trabalho dele?
No dia a dia, pelas ruas de São Paulo, sou freqüentemente abordado por pessoas que acompanham o trabalho do Maurício e só fazem elogios. Sinto muito orgulho de seu profissionalismo, do fato de estar sempre atualizado, bem informado, de seu equilíbrio e de sua postura de uma forma geral. Antigamente era “você é filho do Noriega”. Agora a coisa mudou: “você é o pai do Maurício Noriega”.

Por fim, deixe algum tipo de mensagem para os leitores, um conselho, um recado, um toque, qualquer coisa que vier à cabeça.
Sempre tive um carinho muito grande por Porto Alegre e pelo Rio Grande do Sul. Até tinha como alternativa, se um dia mudasse de São Paulo, viver na capital gaúcha. Adoro e tenho feito visitas à Serra Gaúcha. Cheguei a montar praticamente uma equipe inteira para o Juventude de Caxias, com o auxílio do grande amigo e treinador Oswaldo Brandão, uma criatura humana excepcional, do Valdir de Morais, do Romeiro e de alguns dirigentes paulistas. Foi na época em que era presidente o doutor Wili Sanvito e estava próxima a inauguração do estádio, após as reformas. Custo zero, a título de colaboração aos Sanvito, com os quais eu tinha muita amizade. Acompanhei a delegação do Palmeiras no jogo inaugural. A mensagem é de seriedade, responsabilidade e muito amor pela prática do jornalismo, sem jamais colocar o individualismo acima do trabalho em equipe e também nunca se achar mais importante do que o evento esportivo, do que a narração, o jogo e os atletas.