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Entrevista da série que destaca grandes nomes do jornalismo esportivo brasileiro.
O enfocado desta edição é um dos narradores esportivos mais conhecidos da TV brasileira, que tem o dom nos genes: 
Luiz Alfredo, hoje narrador da RedeTV! 
além de ter no seu currículo, importantes passagens por Globo (rede nacional e afiliada no Paraná), SBT e Record. 
Ele é filho de Geraldo José de Almeida, um dos grandes locutores da era Pelé, que marcou época ao narrar o tri da Seleção na Copa de 70. 

(Créditos na produção e edição : Edu Cesar - www.papodebola.com.br)

Fale um pouco sobre seu pai, Geraldo José de Almeida, que foi um histórico narrador de rádio e TV das décadas de 50 a 70.
Ganhou, com apenas 17 anos, um concurso para locutor comercial na Rádio Record e, logo depois, com 19, já era locutor esportivo (“speaker”, como diziam). Em 1958 (39 anos), na Copa da Suécia, estava na Pan-Americana (hoje Jovem Pan), que formou rede inédita com a Continental do Rio de Janeiro, liderada pelo Waldir Amaral, outro grande do rádio esportivo. Na final, bateram o recorde mundial de transmissão ao vivo na época, com quase oito horas seguidas. Foi nessa época que criou a expressão “seleção canarinho”. No bi de 1962 estava na Rádio Record. Em 63 foi para a Excelsior (hoje CBN) e, logo em seguida, para a televisão, a TV Excelsior, que os historiadores classificam com razão como a pré-Globo. A adaptação do rádio para a TV, difícil sempre, foi bem sucedida. Em 70 estava na Globo narrando o tri, em dupla histórica com o grande João Saldanha. Nessa época seus jargões e apelidos ficaram consagrados. "Olha lá, olha lá, olha lá, no placarrrrrr", "Por pouco pouco, muito pouco, pouco mesmo", "Que que é isso, minha gente", "mineirinho de ouro Tostão", "gauchão Everaldo", "garoto do parque Ri-ve-li-no", "canhotinha de ouro Gérson" e "o craque café Pelé" foram algumas das expressões mais famosas. A dupla com o amigo João Saldanha chegou, brilhante, até a Copa de 74. Em 75 foi para Porto Alegre, na então TV Difusora (Band hoje) e viveu, como gostava de destacar, dias maravilhosos. Já doente voltou para São Paulo, trabalhando na TV Record e com grandes audiências. Morreu em agosto de 76, aos 57 anos, num domingo de futebol.

Da época do Geraldo até a sua, se vão de cinco a seis décadas. Quais você crê ter sido as grandes mudanças na narração de TV neste período?
No começo do futebol na televisão havia dois modelos no ar: a narração mais conversada e a que seguia, eletricamente, o modelo do rádio. De lá para cá a grande mudança foi a adoção da linguagem coloquial, simples e a consolidação da narração num ritmo adequado à TV. Hoje, evidente, há muito mais narradores, mas alguns retrocessos que podem ser um fecho de ciclo, como aconteceu no rádio. Considero retrocesso a imitação dos principais narradores, no jeito, na linguagem, na entonação, nos jargões. Os que constroem seu próprio caminho estão numa estrada mais difícil!

De todos os estádios e/ou palcos esportivos onde narraste, quais os melhores para trabalhar e quais não dão saudade?
No Brasil o Maraca, a Arena da Baixada, o Beira-Rio e o Morumbi. Fora daqui, mais qualidade e melhor tratamento ao torcedor e aos profissionais. Os estádios da Alemanha, o Olímpico de Seul, o Olímpico de Los Angeles, o Olímpico de Barcelona e alguns ginásios americanos e espanhóis, se a minha memória não falhou. No Brasil precisamos de muito mais respeito à imprensa e ao torcedor.

Sempre bate essa curiosidade quando se conversa com narradores: fale sobre a diferença entre narrar no estádio e vendo pela TV, no estúdio.
No estádio você tem a visão geral, dá pra prever mais os movimentos e reconhecer mais rápido os jogadores. No estúdio você depende muito da geração das imagens, já que só conta com o monitor. Mas dá para levar legal. Outra diferença é que no estádio você sente mais o clima da torcida. O “off-tube” surgiu com a globalização e o grande número de transmissões do exterior.

Na sua opinião, a cobertura esportiva brasileira é satisfatória? Não faltaria, por exemplo, um pouco mais de jornalismo investigativo?
Acho a cobertura, de um modo geral, bem satisfatória. O jornalismo investigativo, no sentido de aprofundar mais os casos, é importante também, e pode ser mais valorizado. Um belo exemplo na TV é o primoroso “Histórias do Esporte" (ESPN Brasil), dos jornalistas Roberto Salim, Ronaldo Kotscho e Beto Duarte.

Acha que o jornalista deve declarar para qual time torce? Se lhe perguntarem seu time do coração, responde ou sai pela tangente?
Em tese não vejo problema nenhum. Mas, na prática, essa é uma questão que passa pela paixão do torcedor e, eventualmente, pelo fanatismo, um terreno delicado. Quando me perguntam eu entendo a curiosidade, mas tento sair dessa.

Qual o tipo de preparação feita por você quando vai transmitir algum evento, no aspecto de estar bem informado a respeito dele?
A busca da informação deve ser sistêmica, estar no dia a dia do profissional. A informação específica do jogo é complementar, mas também vital. Eu, por exemplo, fico ligado no esporte o dia inteiro, assistindo a tudo que é jogo, lendo jornais etc. E o melhor de tudo é que eu gosto disso! Sobre o evento a ser transmitido, procuro fazer um trabalho de preparação específico e bem detalhado, usando todos os recursos possíveis, incluindo a Internet e as checagens necessárias.

O que você acha da postura da maioria dos veículos, que fala 90% do futebol e 10% de outros esportes?
Nas TVs abertas é uma seleção natural dos fatos, refletem o interesse da maioria. Talvez seja uma proporção exagerada, mas a base vai por aí. As TVs a cabo já fazem a segmentação dos esportes, mais facilitada por sua própria natureza.

Resuma um pouco sua trajetória no jornalismo esportivo. Quais pessoas te influenciaram, o que te motivou a seguir essa carreira?
O fascínio começou bem cedo, quando acompanhava meu pai nos estádios. Uma curiosidade de quando eu tinha uns cinco anos: no Pacaembu, por exemplo, era só uma cabine grande pra quase todas as rádios, e lá, eu dividia minhas atenções entre o jogo e os narradores. Comecei na TV Record em 1982, primeiramente como repórter. Pude diversificar, atuando como apresentador, comentarista, produtor e editor. Foi uma escola fundamental. A narração chegou naturalmente. Faço questão de lembrar o Paulinho Machado de Carvalho e o Blota Júnior como os meus padrinhos profissionais. Depois fui para a Globo, em 84. Aprendi muito com o Boni, o Marco Mora, o Glycon Ferreira e o Ciro José. Foram campeonatos brasileiros e regionais, Olimpíadas, mundiais de futebol de clubes e seleções, F-1, motociclismo, vôlei, basquete, atletismo, boxe e muitas emoções. Em 89 fui para o SBT, comandado pelos Luciano Callegari – pai e filho - para ser titular nas eliminatórias e na Copa de 90. Em 91 voltei para a Globo, com destaque para 92, com a Olimpíada de Barcelona, a Fórmula 1 e o Mundial de Tóquio ganho pelo São Paulo. Em 94 fui fazer a Copa do Mundo de futebol de novo no SBT e, em 96, me transferi para a TV Record, onde fiquei até 1999. Depois fiquei trabalhando nas várias praças e, principalmente, em Curitiba, na TV Paranaense, comandada pelo brilhante e grande pessoa Gil Rocha. Guardo ótimas lembranças e saudades desse período. Em 2005, um convite do Flávio Adauto me levou para a TV Cultura. Desde 2006 estou, feliz, na RedeTV!, sob o comando dos super competentes José Emílio Ambrósio e Terence Paiva.

Nesses anos todos atuando no esporte, quais as coberturas mais marcantes que fizeste, pelo lado bom e/ou ruim?
Sou um cara muito feliz, tive muitas chances e pude ir às mais variadas coberturas, dos mais diferentes esportes. Algumas das lembranças mais importantes: a prata na final do vôlei nas Olimpíadas de 84, o ouro do Aurélio Miguel no judô em Seul 88 (“meu” primeiro ouro), o ouro do vôlei masculino em Barcelona 92 (primeiro ouro olímpico do Brasil em esporte coletivo), a cesta da Hortência em Vigo/Espanha 92, no último segundo do jogo e que deu a vaga olímpica às meninas, o Grenal do Século em 88, o mundial de futebol do São Paulo em Tóquio 92, todas em trabalhos pela Globo. E mais: a alegria do tetra na Copa de 94 (SBT), a final da Copa do Brasil 95 (SBT) com o recorde de audiência, as vitórias do Senna como a de 86, no dia seguinte da eliminação do Brasil na Copa pelos franceses (Globo), o recorde mundial do futsal na vitória em Macau (RedeTV!) e o título da volta do Popó (RedeTV!).

Diria te sentir realizado profissionalmente, ou falta algo, algum trabalho ou cobertura que ainda queira fazer?
Sou feliz, a vida profissional foi minha amiga, mas... o próximo trabalho é sempre o mais importante! Essa é uma grande verdade!

Cite alguns profissionais com os quais tenha trabalhado, ou esteja trabalhando, que te marquem duma forma especial.
Difícil responder sem um deslize, mas vamos lá. Entre os comentaristas o lugar de honra é do Telê Santana (Copas de 90 e 94). Sabia tudo, humilde e extremamente responsável. Uma referência como ser humano. Acho o José Calil uma revelação muito promissora, enxerga tudo e tem um futuro brilhante pela frente, pode tomar nota. O Reginaldo Leme também marcou minha vida, com seu companheirismo, fidalguia e competência. Entre os narradores tem o Galvão e o Osmar de Oliveira, sempre bons companheiros. Roberto Thomé, Luiz Andreoli, Marcos Uchoa, Luiz Fernando Lima, Luiz Ceará, Márcio Moron, Nivaldo de Cillo, Marcelo Bianconi, André Argolo, Rodrigo Cabral, Fernando Fontana, Emerson Tchalian, reportaram comigo e me deram, e dão, muita força. Mas a saudade do extraordinário Eli Coimbra é imensa!

Sem citar nomes, mas já tiveste algum tipo de rusga ou desentendimento com algum colega de profissão?
Raras e distantes, quase esquecidas.

Qual seu conceito sobre a participação das mulheres no jornalismo esportivo?
Acho ótimo, tive e tenho companheiras as mais competentes.

Poderia contar alguma história curiosa de bastidores da imprensa esportiva que tenha vivenciado de perto e não saibamos?
Era 1984, a cidade a capital da Letônia, Riga, na época da antiga União Soviética. Jogo de vôlei masculino URSS x Brasil. Era transmissão ao vivo e a geração soviética teve alguns problemas de comunicação entre a unidade móvel, o repórter Luiz Fernando Lima na quadra e a cabine onde eu estava. Duas horas antes conseguimos contato de coordenação com a Globo no Brasil, papo que durou só... dois minutinhos. Sumiu tudo, não ouvia mais o Brasil. Quinze minutos antes do início previsto, comecei a avisar que eu iniciaria a transmissão na hora indicada e que seguiria o padrão das outras transmissões (acompanhávamos a seleção brasileira em todos os jogos). Só que eu nem sabia se eles me ouviam. Tocamos nós em Riga a transmissão, como se estivesse tudo normal. É o que se chama de “vôo cego”. No final de tudo, dei a deixa de saída e ouvi um “...du ....tudo legal ...valeu”. Era a coordenação do Brasil de volta e vibrando, deu tudo certo! Incrível!

Se pedirmos para dizer alguém no esporte que mereça nota 10 e alguém no esporte que mereça nota 0, quais seriam e por quê?
Felizmente muita gente merece nota dez: Pelé, Telê Santana, Guga, Ayrton Senna, Garrincha e muito mais gente. A nota zero vai, como exemplo, para o canadense Ben Johnson. Ele é o símbolo do “vencer a qualquer preço”, do egoísmo, da mentira, da corrupção, tudo que a gente não aceita de jeito nenhum.

Nos últimos anos você tem narrado a Série B pela RedeTV!. Qual sua expectativa para este ano, onde o Corinthians estará nela?
Participei das transmissões dos últimos dois anos. A Série B cresce como um todo, vai se aperfeiçoando. A chegada do Corinthians talvez seja o fato mais marcante da história desse campeonato, lotará os estádios pelo Brasil. Espero uma Série B espetacular, inesquecível! E que o nosso trabalho seja o melhor possível e de agrado dos amigos do Brasil!

Qual sua opinião sobre a Copa do Mundo de 2014 no Brasil?
Gostaria que os políticos lutassem por mais escolas e professores com o mesmo empenho com que lutam por uma sede na Copa de 2014. 
Gostaria que a saúde pública recebesse mais bola, tivesse mais chance de melhorar a vida das pessoas. Mas, infelizmente, ninguém garante que, se não houvesse a Copa, estas áreas seriam beneficiadas.

Dá para conciliar numa boa a corridíssima vida de jornalista esportivo com a vida pessoal?
Dá sim, os sacrifícios com a família são da mesma ordem da grande maioria das profissões, normal.

Deixe uma mensagem para os leitores, um conselho, um recado, um toque, qualquer coisa que vier à cabeça.
Precisamos melhorar nosso país, resgatar as virtudes, o bem, a solidariedade, a justiça social. Sou um cara apaixonado pelo esporte, acredito na sua magia, considero um poderoso instrumento de socialização e deveria, aqui no nosso Brasil, ser aberto a todas as crianças. Sei que é utopia, vivemos um país injusto, com uma elite incompetente. Mas ninguém me demove dessa esperança. 



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